O velório de Charlie Kirk apresentou ao mundo dois modelos de cristianismo evangélico. No primeiro, Kirk foi elevado à condição de mártir do “nacionalismo cristão”, transformado em combustível para as chamas da vingança e do ódio. Nesse olhar, o ódio da esquerda só poderia ser derrotado por um ódio ainda maior da direita.
É o cristianismo da guerra cultural, da imposição pela força e do triunfo político a qualquer custo. Nenhuma fala representou melhor esse espírito do que a de Donald Trump, ao declarar diante da multidão: “Odeio meus oponentes e não quero o melhor para eles”, convertendo a morte de Kirk em capital político.
Poucos minutos antes do discurso inflamado de Trump, porém, Erika Kirk, mulher de Charlie, havia subido ao palco. Ali se revelou outro cristianismo. Suas palavras destoaram da retórica de revanche que marcava as falas de alguns oradores. Ela não mencionou a guerra cultural nem pediu retaliação.
Antes, falou da fé que partilhava com o marido. Lembrou que o ambiente interno do lar, na relação saudável entre marido e mulher, é onde se pode expressar da melhor forma a militância pela transformação da sociedade. Recordou que Charlie havia encontrado em Cristo o verdadeiro sentido da vida e testemunhou: “A resposta para o ódio não é o ódio. A resposta que conhecemos do evangelho é o amor, sempre o amor. Amor pelos inimigos e amor por aqueles que nos perseguem.”
Essas palavras já seriam desafiadoras por si mesmas, mas Erika foi além do nível das ideias. Aplicou o evangelho de maneira radical e pessoal, ao se dirigir ao suspeito de assassinar seu marido. Em vez de exigir vingança, interrompeu o ciclo da violência que alimenta a guerra cultural: “Aquele jovem… eu o perdoo. Eu o perdoo porque foi o que Cristo fez e é o que Charlie faria.”
As mesmas pessoas que aplaudiram o discurso de Erika aplaudiram também o discurso de Trump. Talvez não tenham percebido a contradição. Um discurso anula o outro.
Ou fazemos política movidos pelo ódio, tratando o adversário como um monstro a ser eliminado, ou reconhecemos nele alguém de quem discordamos, mas com quem podemos conviver em paz. Charlie Kirk foi vítima justamente do ódio de quem pensava diferente e o enxergou como um monstro a ser eliminado.
O evangelho do perdão é contracultural. A cultura e a própria natureza humana tendem à vingança, e vinganças alimentam guerras, inclusive as guerras culturais. O perdão é o remédio. Foi isso que Erika Kirk nos ofereceu, como cristã, em meio ao luto.
O perdão, porém, não é amnésia nem anulação da justiça. Pelo contrário, é a capacidade de lembrar sem nutrir o ódio que corrói em ressentimentos sem fim. Não significa fechar os olhos para a injustiça, mas escolher não permitir que ela tenha a última palavra sobre o coração.
Não existiria polarização e violência política no reino do perdão, porque o debate não seria alimentado pela lógica do inimigo, mas pela busca do bem comum.
O diácono Estêvão, o primeiro mártir do cristianismo, ao ser apedrejado por causa do seu discurso, orou em voz alta ecoando as palavras de Jesus: “Senhor, não os condenes por causa deste pecado!” (“Atos dos Apóstolos” 7.60). O jovem Paulo, que odiava a fé cristã e estava na plateia ouvindo e vendo Estêvão ser morto, tornou-se depois o maior apóstolo dessa fé. De perseguidor e promotor do martírio, passou a mártir.
Espero que o cristianismo de Erika prevaleça na direita norte-americana. A democracia respira melhor em ambientes que desfazem o nó do ressentimento.