
Mais de 540 mil pessoas morrem todos os anos devido ao calor extremo, um exemplo claro de que as mudanças climáticas estão criando uma crise global de saúde.
Para enfrentar esse desafio, foi anunciado na quinta-feira o Plano de Ação de Saúde de Belém, uma iniciativa emblemática da Presidência brasileira da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, COP30.
A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas está acontecendo na cidade amazônica de Belém, no Brasil
Após a divulgação, a Organização Mundial da Saúde, OMS, lançou um relatório especial com novos dados que evidenciam a urgência de colocar o plano em prática.
O diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, destacou que a crise climática é uma crise de saúde “aqui e agora”. O relatório conclui que entre 3,3 e 3,6 bilhões de pessoas vivem em áreas altamente vulneráveis às alterações do clima.
A ONU News conversou com a enviada especial da conferência para o tema de saúde, Ethel Maciel, que participou da construção do documento. Ela explicou que o clima já mudou, e agora as ações do setor saúde precisam mudar.
“Então, como a gente preparar as nossas unidades de saúde, os nossos hospitais, as nossas estruturas para esses eventos extremos que acontecerão com cada vez mais frequência. E como a gente pode fazer a capacitação e o treinamento dos profissionais de saúde para que eles possam enfrentar esses eventos extremos que vão ser causados pelo que nós já estamos vivendo nessas mudanças climáticas. Um exemplo, aqui no Brasil, foi no ano passado a inundação no Rio Grande do Sul, a maior epidemia de dengue da história, impulsionada por essas mudanças climáticas. Então, não é algo para a gente pensar no futuro, é algo que está acontecendo agora. Então nós pensarmos em como adaptar o nosso sistema é urgente”.
Ethel Maciel contou que o plano tem três eixos. O primeiro se refere ao monitoramento, para garantir uma melhor integração de dados de clima e saúde. A expectativa é que isso permita previsões que antecipem alta de atendimentos por ondas de calor por exemplo, e possibilite atualizar o sistema de notificações, de modo que casos associados a impactos climáticos possam ser registrados.
O segundo tem a ver com a criação de estruturas mais resilientes e profissionais de saúde mais preparados para identificar casos ligados aos impactos do clima, que podem se manifestar na forma de desidratação ou agravamento de problemas cardíacos.
O terceiro está associado à pesquisa e à inovação, para garantir que medicamentos, vacinas e outros insumos sejam menos termosensíveis, ou seja, fiquem menos instáveis quando a temperatura aumenta muito, ou quando os municípios têm quedas de energia por um tempo.
Outra meta nesse eixo é tornar a cadeia produtiva da saúde menos poluente, reduzindo o uso de plásticos, e utilizando fontes renováveis de energia.
Ethel Maciel disse que a aplicação do plano é fundamental na região amazônica, onde acontece a COP30.
“Nós temos aqui, inclusive, patógenos que nós ainda nem conhecemos todos. Então, o próprio fato de devastar a floresta faz com que a gente tenha a possibilidade de ter surtos, epidemias. Então aqui é uma região de muita importância para a vigilância, especificamente, para o monitoramento global”.
A enviada especial fez um apelo para que o plano “não seja mais um papel e mais uma declaração muito bonita, mas que não acontece na prática”. Nesse sentido, a especialista pediu que governantes de todos os níveis incluam nos seus planos de governo essas ações específicas para o setor saúde.
O relatório da OMS, divulgado nesta sexta-feira apela a uma ação imediata e coordenada para proteger a saúde num mundo em rápido aquecimento.
Os dados mostram que um em cada 12 hospitais está em risco de encerramento devido ao impacto climático. Atualmente, os hospitais enfrentam um risco 41% maior de danos relacionados com eventos meteorológicos extremos em comparação com 1990.
Sem uma rápida descarbonização, o número de instalações de saúde vulneráveis poderá duplicar até meados do século. O setor da saúde é responsável por cerca de 5% das emissões globais e precisa de uma transição rápida para um modelo de baixo carbono.
Um cartaz na Conferência das Nações Unidas sobre o Clima destaca a urgência da crise climática
O relatório apela aos governos que integrem os objetivos de saúde nas Contribuições Nacionalmente Determinadas e nos Planos Nacionais de Adaptação.
As propostas incluem o aproveitamento de economias resultantes da descarbonização para financiar a adaptação da saúde, capacidade da força de trabalho e infraestruturas resilientes.
A OMS defende que seja dada prioridade às instalações de saúde e aos serviços essenciais que capacitem as comunidades e os sistemas de conhecimento locais para moldar respostas que reflitam as realidades das pessoas.
O Governo do Brasil divulgou ainda um relatório complementar sobre participação social, clima e saúde para apoiar a implementação do Plano de Ação de Saúde de Belém.
O documento destaca que as alterações climáticas representam riscos profundos para a saúde humana, particularmente para populações vulneráveis e historicamente marginalizadas, e que uma adaptação eficaz requer o envolvimento ativo das comunidades na concepção, implementação e monitoramento das políticas de saúde.
O ministro da Saúde do Brasil, Alexandre Padilha, afirmou que “as alterações climáticas já estão a afetar diretamente os sistemas de saúde em todo o mundo” e que agora é o momento de implementar ações concretas, algo que o Plano de Ação em Saúde de Belém permite.
Jornalistas na COP30, em Belém, Brasil
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Confira a íntegra da entrevista com a enviada especial da COP30 para Saúde, Ethel Maciel.
Ethel Maciel: Nós tivemos esse dia histórico hoje, dia 13 de novembro. Ontem, nós já tivemos também vários painéis sobre saúde, mas hoje, pela primeira vez, a saúde ocupou a plenária central da Unfccc com o tema da saúde para o lançamento do Plano de Ação de Saúde de Belém, que é o plano que visa a adaptação do setor saúde para as mudanças climáticas, para o enfrentamento às mudanças climáticas.
E Esse plano foi construído ao longo de mais de um ano, com o apoio da Organização Mundial da Saúde, de parceiros, universidades, associações científicas, a sociedade civil. Nós tivemos várias reuniões até chegar aqui porque a ideia era chegar aqui em Belém de forma que os países já tivessem conhecido o plano e já pudessem endossar esse plano de ação de saúde de Belém. Ele é estruturado em três eixos principais.
O primeiro eixo é a vigilância e monitoramento. Nós temos, na maior parte dos países, dados de clima, dados de saúde, mas em geral, esses dados não são integrados e esses dados não conseguem fazer, por exemplo, predições para informar o setor saúde se em um dia de maior calor vamos ter um maior atendimento em unidades de saúde, em hospitais. Então a ideia é que a gente possa fortalecer o sistema de vigilância do mundo, fazendo a integração desses sistemas de informação, juntando dados de saúde, dados de clima.
O segundo eixo é um eixo que fala mais da atenção à saúde, os sistemas resilientes. Então, como a gente preparar as nossas unidades de saúde, os nossos hospitais, as nossas estruturas para esses eventos extremos que acontecerão com cada vez mais frequência. E também como a gente pode fazer a capacitação e o treinamento dos profissionais de saúde para que eles possam enfrentar esses eventos extremos que vão ser causados pelo que nós já estamos vivendo nessas mudanças climáticas. Um exemplo aqui no Brasil foi no ano passado a inundação no Rio Grande do Sul, a maior epidemia de dengue da história, impulsionada por essas mudanças climáticas. Então, não é algo para a gente pensar no futuro, é algo que está acontecendo agora. Então nós pensarmos em como adaptar o nosso sistema é urgente.
E a terceira linha desse eixo do plano de ação é a pesquisa e inovação, que é como a gente vai incluir nas nossas pesquisas e inovações esse componente do clima para a produção de medicamentos, de vacinas que, por exemplo, sejam menos termosensíveis, que fiquem menos instáveis quando a temperatura aumenta muito, ou quando os locais ou os municípios locais fiquem, por exemplo, sem energia por um tempo. Então é muito importante que a gente tenha pesquisa que pense nesse componente do clima já na sua produção. E também pensarmos na própria cadeia produtiva da saúde de forma que ela seja menos poluente, que a gente utilize, por exemplo, menos plástico. Nós da Saúde utilizamos muitos insumos de plástico e contribuímos para essa poluição no planeta. E também pensarmos na utilização de energias renováveis em toda a produção e também em materiais menos poluentes. Então, esses três eixos formam esse Plano de Ação de Saúde Belém, que pela primeira vez nós estamos concordando e fazendo esse alinhamento, esse consenso, como se fosse um guia, um mapa para onde ir, para que a gente possa ter uma saúde mais adaptada às mudanças do clima. O clima mudou e a saúde precisa mudar também.
Ethel Maciel: Além de uma preparação dos próprios locais, nós precisamos preparar também os profissionais para compreender que aquele aumento do atendimento naquele dia, que a temperatura está a 41°C é causado pelo calor. Isso ainda não está muito claro para os profissionais de saúde e mesmo nos nossos sistemas de informação. Nós não temos como informar isso, que aquele atendimento daquela criança que chegou desidratada, daquele idoso que chegou desidratado, ou daquela pessoa que chegou com o agravamento do seu problema cardiológico é relacionado ao calor, então os nossos sistemas ainda não estão preparados para isso. Nós precisamos que a gente possa incluir no sistema de informação essa variável para poder fazer essa relação de associação. Hoje a gente não consegue fazer isso. Mesmo que eu compreenda que aquela pessoa chegou ali por conta do calor, eu não tenho onde colocar.
Ethel Maciel: Exatamente. Então a gente precisa mudar esses nossos sistemas de notificação para captar essa informação. E a gente precisa que o profissional também reconheça isso para que ele também informe. Assim, a gente vai ter evidências mais robustas. E também nós precisamos, por exemplo, ter esses sistemas de predição. Hoje, o que a gente sabe é quando já passou assim, a gente teve um aumento na unidade de saúde, de atendimento, do que aconteceu ontem ou o anteontem. O que a gente precisa é que os nossos sistemas de alerta possam prever. Então nós vamos ter uma temperatura alta daqui a três dias, vamos preparar o meu serviço de saúde para esse aumento que terá de atendimento. Então, hoje nós precisamos de sistemas de alerta que possam fazer esse planejamento melhor para um aumento da demanda que vai acontecer.
Ethel Maciel: Sim, nós temos aqui, inclusive, patógenos que nós ainda nem conhecemos todos. Então, o próprio fato de devastar a floresta faz com que a gente tenha a possibilidade de termos surtos, epidemias. Então aqui é uma região de muita importância para a vigilância, especificamente, para o monitoramento global. E não se faz nada sem investimento. Então, é muito importante nós podermos, com ações locais, fazermos a sensibilização dos gestores para que nos planos municipais e estaduais, o investimento para essas linhas de ação seja contemplado. Porque o que nós não queremos é que seja mais um papel e mais uma declaração muito bonita, mas que não aconteça na prática. E para acontecer na prática, a gente precisa que os governantes incluam nos seus planos de governo essas ações específicas para o setor saúde.
*Felipe de Carvalho é enviado especial da ONU News à COP 30, no Brasil.
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