No último 31 de outubro, o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução prorrogando o mandato da Missão das Nações Unidas para o Referendo no Saara Ocidental até outubro de 2026. O texto reafirma o direito de autodeterminação dos povos, mas segue legitimando a ocupação marroquina.
A ambiguidade não é nova. Desde 1976, depois que a região do norte da África expulsou a colonização espanhola, o Marrocos ocupa militarmente o Saara Ocidental.
Os dois países estiveram em guerra até 1991, quando o cessar-fogo mediado pela ONU previu a realização de um referendo de autodeterminação —promessa nunca cumprida. O Marrocos impõe seu domínio com infraestrutura, subsídios, propaganda, perseguição e prisão de opositores, além de proibir a prática do jornalismo e dificultar a presença de observadores internacionais.
Hoje, cerca de 600 mil saarauís vivem divididos entre o território ocupado, campos de refugiados na Argélia e o exílio.
Em comunicado à imprensa, a Frente Polisário, representante do povo saarauí, acusa o Conselho de ceder à pressão do Marrocos e seus aliados, além de reafirmar disposição para negociar sob o marco das resoluções que garantem o direito à livre determinação.
Ahmed Mulay Ali, representante da Frente Polisário no Brasil, afirmou que não participarão de nenhum processo político que busque legitimar a ocupação militar ilegal do Saara Ocidental. A resolução, segundo ele, “reflete o compromisso formal com uma solução justa. “Mas a Frente Polisário também observou a tentativa de algumas potências que apoiam o invasor marroquino de levar o Conselho a adotar uma resolução que resolva definitivamente o conflito em favor da sua posição expansionista”, disse.
A presidenta da Associação de Solidariedade Asaarauí, com sede em Brasília, Maria José Maninha, afirmou que nada está ganho ou perdido: “Não há carta branca ao Marrocos, aos Estados Unidos e à França. A luta diplomática, política e as mobilizações de solidariedade em todo o mundo definirão os próximos passos”.
Poucas horas depois da votação, a versão marroquina do Google Maps apagou a linha pontilhada que separava o Saara Ocidental do Marrocos.
Como já contei, estive no território ocupado em 2023 para entrevistar a ativista Mahfouda Lefkir, presa e torturada por protestar contra a ocupação. O controle é absoluto. Câmeras, soldados armados e à paisana, bandeiras enormes.
Há 34 anos a ONU mantém a missão de paz com o objetivo declarado de realizar o referendo. Na prática, legitima a ocupação marroquina e ajuda a garantir o silêncio nas ruas de Laayoune, capital do Saara Ocidental, e na imprensa internacional.
Nos campos de refugiados da Argélia, onde estive em dezembro de 2024 para acompanhar o encontro de 50 anos da União Nacional de Mulheres Saarauís, testemunhei as condições de precariedade material em que resiste a Frente Polisário. No comunicado recente, afirmam que as posturas unilaterais que sacrificam o direito internacional em nome da conveniência política “apenas agravam o conflito e colocam em risco a paz e a estabilidade em toda a região”.
Enquanto a ONU evita decisões definitivas, mulheres saarauís seguem recolhendo explosivos no deserto. Enquanto o Google apaga a fronteira e o nome do país do mapa, elas costura bandeiras, mesmo sob o risco do cárcere.




