O palestino Issam al-Faroukh passou as duas últimas décadas de prisão em prisão. Parecia estar condenado à vida na cadeia. No dia 13, as autoridades israelenses transferiram Faroukh pela última vez, agora para o deserto do Negev —onde, para sua surpresa, foi liberto.
Faroukh, 52, foi um dos quase 2.000 palestinos soltos por Israel como parte dos acordos de cessar-fogo em Gaza. “É uma felicidade contida”, diz à Folha por telefone. “Milhares de pessoas morreram para que isso acontecesse.” Dois anos de bombardeios israelenses mataram quase 70 mil pessoas em Gaza e devastaram a infraestrutura do território palestino.
Como tantos outros palestinos libertados na semana passada, Faroukh conta histórias de privações na cadeia. Durante a guerra, afirma, Israel endureceu suas medidas, que já eram severas. Faroukh conta que foi espancado diversas vezes e que recebia cada vez menos comida. “Houve uma punição coletiva dos prisioneiros motivada pela política.”
Faroukh tinha sido preso sob a acusação de matar um israelense na Cisjordânia durante a Segunda Intifada, um levante palestino que durou de 2000 a 2005. “Eles usam a palavra ‘terrorismo’, enquanto nós usamos a palavra ‘resistência’”, afirma. Dada a gravidade da acusação, ele foi exilado no Cairo e, pelo acordo, nunca mais poderá retornar a Ramallah, onde está a família. Faroukh era um dos 250 palestinos desta leva de libertados que já haviam sido condenados na Justiça.
A maioria dos palestinos soltos durante o cessar-fogo, porém, nunca havia sido acusada formalmente nem julgada. Israel chama essa controversa prática de “prisão administrativa”. É uma ferramenta que permite que as autoridades mantenham palestinos encarcerados por prazo indeterminado, sem precisar cumprir os requisitos legais.
Segundo a ONG israelense HaMoked, havia 11 mil palestinos detidos em Israel até as libertações da semana passada. Desse total, 3.500 estavam em prisão administrativa.
A detenção é uma experiência corriqueira na Palestina. Levantamentos indicam que 40% dos homens palestinos foram presos por Israel em algum momento de suas vidas. A soltura de 2.000 deles voltou a trazer o assunto ao debate internacional.
Em seus relatos à imprensa, palestinos dizem que foram mantidos em celas pequenas, escuras, úmidas e abarrotadas, onde contraíram infecções de pele que não puderam ser tratadas. Há também histórias de tortura e abuso sexual. Segundo as Nações Unidas, pelo menos 75 palestinos morreram em prisões israelenses nos últimos dois anos. Esse número inclui o cidadão brasileiro Walid Ahmad, morto em março, aos 17 anos.
A organização israelense de defesa dos direitos humanos B’Tselem afirma que a punição de prisioneiros palestinos faz parte de uma política oficial que inclui negar tratamento médico e alimentação. Israel nega todas essas acusações e refuta haver maus-tratos.
Nos últimos dias, circularam vídeos de prisioneiros palestinos reencontrando suas famílias, emocionados. Diversos deles foram recebidos como heróis.
Alguns se surpreenderam com o nível de devastação de Gaza. “É uma cena do Juízo Final”, disse Shadi Abu Sido, diante das câmeras, ao ser libertado. À imprensa Abu Sido afirmou que as forças israelenses o despiram, quebraram uma de suas costelas e o mantiveram vendado e algemado por dias.
Entre as imagens, uma das mais impactantes era a de um homem em cadeira de rodas e depois ajoelhado, aos prantos. Segurava nas mãos a pulseira que tinha feito na prisão para o aniversário de sua filha. Só depois de ser solto, segundo relatos, o homem soube que ela e toda a família haviam morrido durante a guerra.