Papa defendia acolhimento a LGBTs, diz cardeal brasileiro – 22/04/2025 – Mundo

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O papa Francisco brincava sobre cachacinha com colegas brasileiros de batina e até já declarou Pelé como superior aos conterrâneos argentinos Diego Maradona e Lionel Messi. Era bem-humorado, sem dúvida, mas falava sério sobre questões caras ao futuro da Igreja Católica, como a pauta ambiental e o acolhimento a imigrantes e pessoas LGBTQIA+, diz dom Leonardo Steiner.

O pontífice morto na segunda-feira (21) promoveu o arcebispo de Manaus a cardeal em 2019, o primeiro da região amazônica. Agora, dom Leonardo participará pela primeira vez de um conclave para escolher um novo papa.

Para o brasileiro, Francisco “teve essa quase ousadia” de dizer que homossexuais e transgêneros “são filhos e filhas de Deus”. Também diz que a míngua de católicos, um fenômeno global, não o inquieta tanto quanto a secularização da sociedade. “Devemos nos preocupar mais com as pessoas que se dizem sem religião.”

Qual o principal legado que Francisco deixará para a Igreja?

Logo no início do pontificado, ele assinalou que é a misericórdia. Os outros legados são quase que consequência. O papa entendia a misericórdia como transformação. Lembrando o Evangelho de Mateus: vestir os nus, dar de comer aos famintos, dar de beber aos sedentos, visitar os doentes, receber os peregrinos. Ele vai deixar na memória da Igreja esse modo de estar atento junto aos pequenos.

Quantas vezes ele fez essa relação de que quem vai sofrer no futuro com as mudanças climáticas são os pobres. E penso que ele deixou também um grande legado quando falava da sinodalidade, que é essa participação de todos na vida da Igreja. Ele foi, por exemplo, introduzindo a participação das mulheres na vida das comunidades, mesmo na vida lá da Santa Sé.

Outra marca de Francisco foi internacionalizar o colégio de cardeais [que escolhe o papa], tornando-o menos europeu. Como isso se refletiu na Igreja?

O papa teve uma visão de que a Igreja está no mundo inteiro. É bonito ver como ela tem procurado se encarnar nas culturas. É claro que isso tudo tem uma influência. Nós somos hoje 135 [cardeais] votantes e com realidades muito diferentes. Mas todos desejando seguir as palavras de Jesus, numa igreja que não é uma organização, é sinal do reino de Deus.

Especula-se muito sobre o futuro papa. Há quem diga que ele será mais conservador, numa reação contrária aos avanços que Francisco liderou na Igreja.

Não sei se isso vai ser levado em consideração. Há as conversas, pensa-se o futuro da Igreja antes de acontecer a votação, e temos certeza de que também invocaremos o Espírito Santo.

O papa era por vezes rotulado como progressista para o parâmetro da Igreja Católica. O que acha?

É um rótulo. O papa viveu de maneira extremamente simples. Quase não se fala, mas é um homem de profunda oração e de profundo humor.

Lembra de piadas?

Cada vez que nos encontramos, ele sempre tinha uma pequena brincadeira. Uma vez perguntou: “vocês trouxeram uma cachacinha?” A gente não esperava uma brincadeira dessas do papa, né? Ele nunca foi um homem distante, sempre [foi] animado.

Ele sabia cantarolar a marchinha “Cachaça Não É Água”, já disse que Pelé era maior que Maradona e Messi…

Aí é um argentino falando, né? Um argentino que soube ser um grande papa. Aliás, tivemos nos últimos anos grandes papas.

Dom Odilo afirmou que o próximo poderá ser africano ou asiático. Acha que faria bem à Igreja sair do eixo eurocêntrico que dominou sua história?

Quem vai ser eleito não sei. É a primeira vez que participo, nem conheço todos os cardeais.

Mas, simbolicamente, a ideia o agrada?

Que [o sucessor] leve em consideração a Igreja como todo.

Vemos uma sangria de fiéis católicos, inclusive no Brasil. É algo com que a Igreja deva se preocupar?

Devemos nos preocupar mais com as pessoas que se dizem sem religião. Vivemos no mundo técnico-científico, com o pensamento virtual, a inteligência artificial. Isso tudo tem uma grande incidência quando se fala na dimensão da fé. Mas isso não significa que não possa haver um retorno. Aqui em Manaus, na Páscoa, foram batizados vários adultos. Temos recebido pessoas que têm voltado para a Igreja depois de um tempo ausente. Eu me preocupo é com a qualidade da nossa fé.

Francisco realizou o Sínodo da Amazônia, e em 2025 serão dez anos do “Laudato Si” [documento papal que aborda a emergência climática]. Esse caminho da igreja ecológica é sem volta?

Claro que temos pessoas que são contra, porque visam o dinheiro, o lucro e o ouro, por exemplo, no garimpo. Mas, graças às iniciativas de Francisco, tem crescido essa consciência da necessidade de cuidarmos melhor da casa comum. Isso é sem retorno hoje.

Francisco liderou enquanto o mundo via a ascensão de um populismo de direita, por vezes extremista, e também uma polarização forte.

Já no começo da Igreja, tivemos a diferença entre [os apóstolos] Pedro e Paulo. Mas eles não deixaram de dizer um ao outro o que pensavam. Podemos ser, entre aspas, adversários nas ideias. Isso até faz muito bem. Mas não podemos nos entender como inimigos, como tem acontecido na política, ou como um ou outro coloca o papa como inimigo da Igreja.

Francisco bateu de frente com o presidente dos EUA, Donald Trump, pela questão imigratória. O sr. julga importante persistir nesse tema?

Ele usou alguns verbos: acolher e integrar. Não era um embate com a pessoa do Trump, era um embate com a questão de não aceitar os migrantes, esquecendo que, no fundo, todos nós nas Américas, com exceção dos indígenas, somos migrantes.

Já que o sr. falou em acolhimento, esse papa foi visto como mais acolhedor em relação à comunidade LGBTQIA+.

Trabalhei um tempo numa grande cidade, e duas vezes por semana passava quase o dia todo no confessionário. [Pessoas LGBTQIA+] vinham, abriam a alma, e se percebia a grandeza humana delas. Como dizer que elas não podem estar presentes na vida da Igreja? Podemos ajudar as pessoas, porque existe muito sofrimento nisso tudo. É que normalmente, quando se fala de homossexualidade e outras questões, logo se fala num moralismo. Francisco teve essa quase ousadia de dizer “olha, são filhos e filhas de Deus, então vamos acolher.”


Dom Odilo falou aqui em São Paulo sobre a firmeza do papa contra a “chaga moral” que são as denúncias de abuso sexual no clero. Francisco fez o bastante em relação a esse tema?

Ele fez o que ninguém na sociedade fez. E não é uma questão interna na Igreja, não. É uma questão da sociedade. É claro que não podemos aceitar. Não se trata de uma questão meramente moral. Trata-se da dignidade da pessoa, que está também na sua sexualidade. O novo papa também levará adiante essa questão da Igreja estar cada vez mais atenta.


Raio-x | Dom Leonardo Ulrich Steiner, 74

Catarinense de Forquihinha, foi ordenado padre em 1978 por dom Paulo Evaristo Arns. Assumiu a Arquidiocese de Manaus em 2019, e três anos depois o papa Francisco o nomeou cardeal. Nos anos 2010, foi por duas temporadas secretário-geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). É mestre e doutor em filosofia pelo Pontifício Ateneu Antoniano, em Roma.



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