O número de migrantes passando por países da América Central, rota de milhões de pessoas que tentam chegar aos Estados Unidos, caiu nos primeiro meses de Donald Trump na Casa Branca, mostram dados de organizações e agências governamentais.
A Guatemala, por exemplo, foi um local de trânsito para pouco mais de 11 mil pessoas em janeiro e fevereiro deste ano, ante 46 mil no mesmo período do ano passado, de acordo com dados reunidos pela OIM (Organização Internacional para as Migrações, da ONU) —uma queda de quase 76%. Já em Honduras, no meio da região, a diminuição no número de entradas de migrantes em situação de vulnerabilidade nos dois primeiros meses do ano em relação a igual período de 2024 foi de 90,4%.
No Panamá, principal entrada para muitos migrantes que passam pela América Central, a queda no fluxo, que engloba todos os tipos de entrada e saída, foi menos brusca nesse mesmo período —apenas 2%, de acordo com dados do Serviço Nacional de Migração. Outras evidências, no entanto, mostram que há uma tendência de recuo no número de viajantes de passagem pelo país.
O fluxo de pessoas no estreito de Darién, selva entre a Colômbia e o Panamá, caiu 93% nos primeiros 23 dias de 2025, afirmou o governo panamenho na ocasião. Houve registro de apenas 1.710 pessoas passando pela inóspita floresta naquele período, em contraste com 23 mil no mesmo intervalo de 2024.
Na metade de março, o presidente do Panamá, José Raúl Mulino, afirmou que o local deixou de ser uma rota de migrantes ao registrar apenas 112 pessoas cruzando a floresta em duas semanas. Ao fazer o anúncio, o político afirmou que parte dos postos de ajuda estava sendo desmantelada, embora tenha feito a ressalva de que agora havia outra questão com a qual lidar —o fluxo de retorno de pessoas que estavam desistindo de chegar aos EUA.
Uma rota incomum de migração se abriu desde o começo do ano, segundo organizações que atuam com o tema. “Desde a segunda metade de janeiro de 2025, um número crescente de pessoas que transitam pelos pontos de monitoramento de fluxo estão fazendo a viagem de norte a sul”, diz o relatório da OIM da Guatemala, que faz fronteira com o México.
Ainda segundo o documento, o mais recente emitido pela entidade, o fluxo norte-sul foi maior do que o sul-norte durante a maior parte do mês. “Entre janeiro e fevereiro, os fluxos migratórios inversos aumentaram 302%; por outro lado, os fluxos sul a norte tiveram uma diminuição de 167%”, afirma o relatório.
O fenômeno é uma reação às políticas de Trump, que tinha entre suas principais promessas de campanha fazer a maior operação de deportação da história, focando até 20 milhões de pessoas —embora o Pew Research Center estime que, em 2022, os EUA abrigassem cerca de 11 milhões de migrantes em situação irregular.
As ações do republicano para cumprir esse objetivo, que até agora incluíram o envio de mais de 200 pessoas para uma prisão de El Salvador e a detenção de estudantes estrangeiros que participaram de protestos pró-Palestina, têm espalhado medo nos migrantes nos EUA —e também naqueles que pensam em ir para o país.
No entanto, as condições que normalmente levam à migração, como violência, pobreza, perseguição política e desastres naturais, não mudaram.
De acordo com o Pew, as comunidades com o maior número de migrantes em situação irregular nos EUA depois do México em 2022 eram El Salvador (750 mil), Índia (725 mil), Guatemala (675 mil) e Honduras (525 mil).
As três nações latino-americanas citadas compõem o Triângulo Norte, região da América Central conhecida pela instabilidade política e econômica e pelas altas taxas de criminalidade. Em Honduras, por exemplo, um dos países mais pobres do continente, 51,9% da população viviam abaixo da linha da pobreza (com menos de US$ 6,85 ou R$ 40,11 por dia) em 2023, segundo o Banco Mundial.
A falta de oportunidades foi o que motivou o ator hondurenho Fred Lanzas, 36, a planejar sua partida, há sete anos. “Eu não tinha emprego, tinha muitas dívidas. O teatro e o movimento do Estado [para cultura] estavam praticamente parados”, afirmou à Folha. “Quando alguém não tem onde se agarrar, qualquer sonho é bom.”
Nessa época, passou a caminhar todos os dias por uma hora e meia para acostumar o corpo à travessia —a ideia era ir a pé e com caronas para os EUA, onde parte de sua família está, junto com um grupo de pessoas que se organizavam nas redes sociais. “Eu já estava pronto para partir na próxima caravana quando me chamaram para fazer um trabalho”, disse.
Atualmente, além de trabalhar como técnico de sistemas, produz peças e performances baseadas em histórias de migração e não pensa mais em partir de forma irregular para os EUA. “Ilegalmente me dá mais medo. “A situação nos EUA está bem feia.”
Mesmo assim, ainda pensa em sair do país, mas talvez para outro destino. “Agora sonho com a Europa. Acho que há mais possibilidades de trabalhar no setor em que eu atuo, tanto na área de tecnologia quanto na de cultura”, afirma. “Sobreviver como um artista em Honduras é muito complicado.”
Caso se tornem um movimento em massa, as deportações de Trump podem ainda afetar a economia de muitos desses países, dependentes dos dólares que cidadãos em terras estrangeiras enviam a seus familiares. Segundo cálculos da agência de notícias AFP, em 2023, El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua receberam quase US$ 42 bilhões em 2023, o que representa um quarto do PIB dessas nações. O temor das expulsões fez as remessas a familiares na América Central subirem 20% no primeiro trimestre deste ano.