A Groenlândia foi às urnas nesta terça-feira (11), e o mundo prestou atenção. É essa a notícia. Com todo o respeito, o mundo não costumava prestar atenção às eleições na Groenlândia.
Mas houve quem, desde o século 19, viesse avisando. O primeiro grande encontro entre a Groenlândia e a geopolítica deu-se por meio das explorações do norueguês Fridtjof Nansen (1861-1930) que, aos 27 anos, em 1888, atravessou em dois meses a ilha gelada, com temperaturas de quase 50°C negativos, de leste para oeste.
Nansen era um visionário. Explorador, literato, escritor, divulgador daquilo a que chamava, com toque publicitário, “o Ártico amistoso”, ajudou a promover a ideia de que o futuro estaria no polo Norte, na Groenlândia e na Sibéria. Teve razão, muito antes do tempo, mas ficou famoso. Mais tarde, depois da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), virou diplomata do seu recém-independente Reino da Noruega (a Groenlândia ficou perdida, numa disputa judicial, para a Dinamarca).
Hoje, Nansen é mais conhecido entre os círculos humanitários por uma ideia genial: o sistema de passaporte internacional humanitário que vigorou entre as duas guerras mundiais e que permitia aos refugiados, seus detentores, viajarem sem terem de arriscar a vida como acontece hoje.
Era um sistema mais fiável, mais seguro, mais solidário para quem corre risco de morte e mais prático para os países de acolhimento. Deveríamos voltar a esses documentos que ficaram conhecidos como “passaportes Nansen”, mas isso é tema para outro dia.
Antes de Nansen, muito antes, diz-se que o grande encontro entre a ecologia e a Groenlândia se deu quando as populações colonizadores vindas da Escandinávia, os vikings, abateram todas as suas árvores e acabaram provocando uma catástrofe ambiental que ficou como lição para o futuro, ficando na miséria quando o marfim de leão-marinho, que eles exportavam, acabou suplantado pelo marfim de elefante que passou a vir da África e da Índia noutras explorações europeias —portuguesas no caso.
A globalização não é de hoje, e a interação entre portugueses e aquelas paragens não tem só a ver com bacalhau (embora seja por ali que ele é pescado). Foi, aliás, por causa do peixe que a Groenlândia saiu da Comunidade Econômica Europeia, antepassada da União Europeia, antes de Portugal e Espanha aderirem à organização, em 1985.
Hoje, vivemos um grande encontro entre a geopolítica, a ecologia e a Groenlândia. O mesmo Donald Trump que nega as mudanças climáticas está na verdade interessado em acelerá-las porque isso permitirá explorar novos minérios e aceder a novas rotas que farão do Ártico um autêntico Mediterrâneo entre EUA e Rússia, se Trump e Vladimir Putin levarem a sua avante.
Quem atrapalha é o Canadá, país ártico, e nações como Groenlândia, Islândia e Noruega. Daí que isso justifique uma maior coordenação entre estes países e a União Europeia para combater as ambições trumpo-russas.
Daí a ideia: por que não reabrir a porta da União Europeia? Assim, a Groenlândia poderia aceder à independência em relação à Dinamarca, mas ter um lugar à mesa com outras nações pequenas e médias que procuram resistir a este novo imperialismo. Difícil? Basta imaginar, como Nansen.