Após meses de embates com Donald Trump, o governador da Califórnia, Gavin Newsom, encontrou na COP30 o palco global de que precisava para se consolidar como o atual antagonista do presidente americano, ausente no evento sobre mudanças climáticas em Belém.
“A razão de eu estar aqui é a ausência de liderança vinda dos Estados Unidos“, disse Newsom no começo da semana, em São Paulo, antes de embarcar para a capital paraense. Nos dias seguintes, já no Pará, manteve a artilharia contra o adversário, afirmando que ele é uma “ameaça às instituições” e um “homem temperamental” que será “esquecido em poucas décadas”.
A rixa é antiga. Governador do estado mais rico e populoso dos EUA desde 2019 —durante o primeiro mandato de Trump, portanto—, Newson despontou nacional e internacionalmente em junho deste ano, quando desafiou o presidente em um pronunciamento televisionado após ser ameaçado de prisão por ele.
Naquele momento, o governo federal enviava forças militares a Los Angeles para conter protestos contra as políticas migratórias do presidente.
“A democracia está sob ataque diante de nossos olhos. O momento que temíamos chegou”, afirmou ele na ocasião, comparando o republicano a “ditadores falidos” do passado. “Trump e aqueles leais a ele prosperam com a divisão porque isso permite que eles assumam mais poder e exerçam ainda mais controle.”
O vídeo foi um ponto de virada na estratégia política de Newsom, que até então vinha adotando uma postura mais conciliadora —inclusive convidando ao seu podcast trumpistas como o extremista Steve Bannon e visitando o Salão Oval para conseguir ajuda federal em meio aos incêndios florestais em Los Angeles.
Desde então, ele tem sido um dos opositores de mais destaque no Partido Democrata, que há meses bate cabeça para encontrar um líder à altura da popularidade do presidente.
Em julho, por exemplo, ao criticar as operações do ICE (o serviço de Imigração e Alfândega dos EUA) contra comunidades imigrantes, Newsom xingou Trump. “É isso que eu não gosto nesse filho da puta. Ele me chama de ‘Newscum'”, disse ele no podcast The Shawn Ryan Show, mencionando o apelido que o presidente usa para se referir a ele —um jogo com a palavra “scum”, que significa escória. “Como eu explico isso para o meu filho?”
A retórica, mais próxima da de seu adversário, se alinharia a manifestações posteriores —uma mudança de estratégia que, analisando retrospectivamente, ele anunciou em uma entrevista ao podcast The Siren, em agosto.
“Estou cansado de sermos fracos. Estou cansado de sermos refinados. Estou cansado de sermos insignificantes. Não basta dizer —é hora de agir”, afirmou ao programa. Ao agir, ele tomou medidas como usar a conta do seu gabinete de imprensa no X para ironizar a aparência do presidente.
“É completamente inaceitável ver um comandante em chefe gordo nos corredores da Casa Branca”, disse na publicação em questão, em outubro. O post era uma resposta ao secretário de Defesa, Pete Hegseth, que criticou a presença de generais gordos nas Forças Armadas, e acompanhava uma imagem feita com inteligência artificial de Trump devorando sanduíches do McDonald’s.
No campo mais prático, ele também apoiou o redesenho do mapa eleitoral da Califórnia, um bastião democrata, de forma a favorecer o partido a nível nacional nas eleições de meio de mandato de 2026 —algo que o Texas já havia feito meses antes para beneficiar os republicanos. Antes de ir adiante com o plano, Newsom deu um prazo para o presidente.
“DONALD ‘TACO’ TRUMP, COMO MUITOS O CHAMAM, ‘PERDEU’ O PRAZO!!!”, afirmou seu gabinete no X dias depois, com as usuais letras maiúsculas que o republicano utiliza em suas redes sociais e uma sigla para “Trump sempre amarela”, em inglês. “A CALIFÓRNIA AGORA DESENHARÁ NOVOS MAPAS, MAIS ‘BONITOS’, QUE SERÃO HISTÓRICOS, POIS ENCERRARÃO A PRESIDÊNCIA DE TRUMP (OS DEMOCRATAS RETOMARÃO A CÂMARA!).”
Em Belém, Newsom chamou de abominação o fato de, sob Trump, os EUA terem saído novamente do Acordo de Paris, que tenta conter o aumento da temperatura do planeta, e disse que, diferentemente de Washington, “a Califórnia é uma parceira estável e confiável no crescimento verde de baixo carbono”.
As críticas eram previsíveis, uma vez que o governador é conhecido pela defesa de uma agenda verde. Ele foi além, no entanto, ao colocar Trump como um obstáculo para que os EUA reajam diante do avanço chinês no setor de energia limpa.
“Os EUA precisam acordar para isso”, afirmou em um de seus discursos na COP. “Não se trata de energia elétrica. Trata-se de poder econômico. Nós, como estado da Califórnia, não vamos ceder essa corrida para a China.”
As falas parecem ter reverberado na Presidência americana. Questionado sobre o assunto, o porta-voz da Casa Branca Taylor Rogers afirmou que “o governador Newscum voou até o Brasil para promover a Nova Farsa Verde enquanto os californianos estão pagando uma das contas de energia mais altas do país”.
É cedo para dizer, no entanto, se o protagonismo de Newsom vai se manter até as eleições presidenciais de 2028, para as quais ele já disse que considera se candidatar. O cenário difuso da oposição democrata inclui Kamala Harris, a candidata derrotada de 2024 que divide sua base eleitoral com Newsom, na Califórnia.
No recém-lançado livro “107 Days”, no qual Kamala detalha a breve corrida presidencial do ano passado, a democrata diz ter ligado para diversos correligionários após o ex-presidente Joe Biden desistir da candidatura, abrindo caminho para ela. Newsom nunca teria retornado o contato.




