Com as tarifas de até 50% anunciadas pelos Estados Unidos sobre as importações brasileiras, a reação imediata de alguns analistas têm sido sugerir a China como tábua de salvação. É um argumento tentador, mas basta olhar para os números e para a lógica de cada mercado para perceber que essa saída, na prática, não fecha a conta.
Em 2023, os EUA compraram do Brasil mais de US$ 35 bilhões em produtos, com destaque para setores como aeronaves, que somaram US$ 2,7 bilhões, ferro e aço com US$ 5,7 bilhões e automóveis que renderam US$ 635 milhões. São bens industriais que dependem de cadeias produtivas sofisticadas, engenharia local e integração tecnológica.
Já a China, embora tenha recebido US$ 94 bilhões em exportações brasileiras em 2024, compra essencialmente o que o Brasil fornece de mais básico: soja, minério de ferro e petróleo bruto responderam juntos por 80% do total. Só a soja gerou US$ 31 bilhões, enquanto o minério superou US$ 21 bilhões.
Essa diferença não é detalhe. Mostra que, quando o Brasil perde espaço nos EUA para itens como aço, cobre ou veículos, não encontra na China um comprador equivalente. A indústria chinesa importa minério para produzir o aço dentro de casa, compra soja para alimentar seu rebanho, mas não traz aviões ou máquinas brasileiras. Tentar redirecionar para o mercado chinês produtos que sofrem barreiras nos EUA significa, na prática, esbarrar na falta de demanda real e concentrar ainda mais a pauta em commodities.
E quando se amplia essa concentração, o risco é o mesmo que já se verifica: a superoferta pressiona os preços para baixo. A safra recorde de soja, que chegou a 175 milhões de toneladas, empurrou a cotação para US$ 11 dólares o bushel, nível mais baixo em cinco anos. O minério de ferro recuou de US$ 76 para US$ 63 por tonelada. Se o excedente que perder mercado americano for despejado sobre a China, o efeito será derrubar ainda mais os valores, corroendo a receita que o Brasil tanto tenta proteger.
Também é sempre bom lembrar que China não é uma compradora passiva. Investe pesado para reduzir a dependência externa. O país tem aumentado sua produção doméstica de minério de ferro, geração energética e até mesmo de soja, correndo para ampliar estoques e diversificar fornecedores.
No fundo, trata-se de uma armadilha estrutural, já que o índice de complexidade econômica do Brasil segue em pífios 0,31, muito inferior ao 1,16 da China. O país exporta commodities, importa bens manufaturados e não tem hoje como substituir exportações industriais por vendas equivalentes ao mercado chinês.
Situações como estas criadas pelo presidente Donald Trump exemplificam a urgência de dedicar recursos financeiros e políticos à reindustrialização brasileira. Sem enfrentar a raiz do problema, o país seguirá trocando a dependência de um parceiro por outro, sempre exposto a tarifas, volatilidade e pressões geopolíticas.
A única saída real está em quebrar o ciclo, abrindo mercados além dos mesmos dois destinos (União Europeia, talvez?), transformando matérias-primas em produtos de maior valor e ocupando espaços onde nem Washington nem Pequim possam impor o ritmo. Só assim o Brasil deixará de ser refém do jogo dos outros e terá mais poder de barganha no tabuleiro global.