A cúpula entre Donald Trump e Vladimir Putin no Alasca não só falhou em produzir o cessar-fogo desejado pelo americano, mas também o convenceu a abandonar a ideia em favor de um novo foco para negociar o fim da Guerra da Ucrânia: as garantias de segurança após Kiev perder até 20% de seu território.
A conclusão decorre dos relatos acerca da conversa do republicano com Volodimir Zelenski e líderes europeus, em um telefonema de uma hora e meia neste sábado (16), no qual ele apresentou um resumo da reunião de quase três horas com o presidente russo na véspera.
Segundo a Folha ouviu de duas pessoas com conhecimento do assunto em Moscou, Putin foi menos resistente do que o usual à proposta de Trump para a adoção de um mecanismo de proteção aos ucranianos do que antes.
Um dos “casus belli” para a invasão de 2022 foi a intenção de Kiev de entrar na Otan, a aliança militar ocidental, o que permanece inegociável para o Kremlin. A proposta franco-britânica de uma força de paz europeia em solo ucraniano também não é aceita em Moscou.
Restou desenvolver a ideia da premiê italiana, Giorgia Meloni, próxima de Trump. Ela sugeriu um análogo ao artigo 5 da carta fundadora da Otan, que prevê assistência de defesa mútua caso 1 dos hoje 32 membros do grupo seja atacado.
A primeira-ministra disse que Trump apresentou a ideia a Putin. Na próxima segunda (18), será a vez de Zelenski voar aos EUA, no caso Washington, para conversar sobre os próximos passos com o presidente americano.
“Este foi o aspecto de mais interessante desenvolvimento registrado em Anchorage”, disse a italiana. “O ponto de partida é a definição de uma cláusula de segurança coletiva que permita à Ucrânia se beneficiar do apoio de seus parceiros, incluindo os EUA, prontos para entrar em ação em caso de ser atacada novamente”, completou.
Segundo os observadores ouvidos em Moscou, não há nenhum martelo batido, apenas um avanço. Um deles disse que vê a situação com mais pessimismo, do ponto de vista russo, que otimismo. Preferiu definir o Alasca como “um fracasso”.
Uma coisa é certa: Putin só aceitaria algo do gênero se tiver consolidadas todas as suas outras demandas, a começar a cessão total dos territórios que demanda de Kiev. Hoje, ele ocupa cerca de 20% do país.
Por óbvio, como ganhou tempo, ao fim Putin pode apenas dizer não enquanto cristaliza seu controle sobre áreas ocupadas do vizinho. Trump segue convicto de que Kiev precisa ceder, e uso o termo troca territorial de forma ligeira, dado que a Rússia não tem nenhuma área sua sob ocupação.
Segundo o jornal New York Times, Trump disse aos europeus e ao líder ucraniano que tudo será mais simples se Kiev abrir mão dos 30% que controla de Donetsk (leste), 1 das 4 áreas anexadas ilegalmente por Putin em 2022. Lugansk (leste), que forma com a vizinha a região histórica do Donbass, já está toda em mãos russas.
Já o britânico Financial Times disse que Putin topa congelar as linhas como estão em 2 das 4 regiões, as sulistas Zaporíjia e Kherson, em troca de ficar com toda Donetsk. Lá, os russos também têm 70% do território. Essa hipótese já foi relatada à Folha por russos.
Repetindo o que o republicano havia dito na véspera, Zelenski afirmou neste sábado que “questões territoriais só podem ser decididas com a Ucrânia”. Antes, ele nem considerava debater isso, alegando que não tinha poderes constitucionais para tal. Aparentemente, mudou de ideia.
Putin também foi bem-sucedido na cúpula ao tirar a palavra trégua da boca de Trump. No avião a caminho de Anchorage, a cidade do encontro, o americano havia dito que ficaria “muito triste” se não saísse com um cessar-fogo da reunião, e voltou a prometer “consequências severas” para a Rússia nesse caso.
Nada disso ocorreu, mas em vez de uma saraivada de críticas, os líderes europeus e mesmo o acuado Zelenski adotaram um tom propositivo neste sábado. Ninguém cobrou cessar-fogo imediato de Trump, que convenientemente esqueceu o assunto no pronunciamento da sexta.
Nos memorandos para a paz entregues por escrito, essa era uma divergência básica entre Kiev e Moscou. Os ucranianos queriam uma trégua para daí conversar, enquanto os russos exigiam debater antes de calar as armas.
“É preciso paz, não pausa, entre invasões da Rússia”, disse o ucraniano, cuja única advertência mais dura foi a previsão de que Putin poderá aumentar a pressão na linha de frente nos próximos dias. Em Donetsk, as defesas de Kiev foram rompidas e uma dura batalha segue para evitar que os russos façam colapsar a posição ucraniana na região.
Monitores militares ucranianos também registraram, na manhã deste sábado, a presença de pelo menos nove bombardeiros pesados Tu-95MS em aeródromos usados na guerra. Isso sugere um ataque maciço de mísseis a qualquer momento, algo que não ocorreu na semana que antecedeu a cúpula.
Trump já disse, numa entrevista antes do encontro, que não tem como evitar que Putin ataque civis. Esta foi mais uma senha para a adoção do termo russo para negociar, com a ação em curso no campo de batalha.
A virada de chave no curso da guerra foi operada, mas o destino das negociações é incerto. A chefe da diplomacia da União Europeia, a estoniana Kaja Kallas, disse neste sábado que cabe aos EUA manter a pressão sobre Putin —de fato, só os americanos têm instrumentos, como as sanções secundárias contra parceiros comerciais russos, para seguir o jogo.