A primeira proposta orçamentária para a área de defesa do novo governo de Donald Trump alterou a ordem de prioridades militares dos Estados Unidos. O novo caça de sexta geração da Marinha foi engavetado na prática, enquanto o modelo do tipo previsto para a Força Aérea recebeu toda a atenção.
O orçamento foi enviado para o Congresso na semana passada, e se refere ao ano fiscal de 2026 —que nos EUA começa em 1º de outubro e vai até 30 de setembro do ano seguinte. Ele totaliza US$ 892,6 bilhões (R$ 4,9 trilhões hoje), praticamente o mesmo valor da última proposta de Joe Biden, em valores corrigidos.
Ninguém gasta tanto no setor. Segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres, quase 40% do dispêndio militar do mundo no ano passado foi americano —quase US$ 1 trilhão (R$ 5,5 trilhões). Em comparação, o Brasil gastou no período US$ 25,6 bilhões (R$ 140 bilhões).
A principal vítima da proposta de Trump foi o programa F/A-XX, o caça de sexta geração que substituirá no futuro os F-35 navalizados e o mais antigo F/A-18, ambos em operação em porta-aviões. Ele receberá um valor residual de US$ 74 milhões para completar a fase de desenho inicial do caça, sem entregar o projeto a um fabricante —a Boeing competia sozinha.
A Marinha queria seu próprio avião, mas o foco será no já anunciado F-47 da Força Aérea, que será feito pela Boeing. Esse programa já recebeu US$ 3,5 bilhões (R$ 19,2 bilhões) na proposta de Trump, segundo o secretário Pete Hegseth (Defesa) disse em audiência no Congresso neste mês.
Historicamente, ambas as Forças desenvolvem caças de mesma geração em paralelo, às vezes trocando experiências e projetos: o bem-sucedido F/A-18 nasceu do F-17, derrotado na competição da Aeronáutica pelo F-16 nos anos 1970.
Analistas especulam se, em algum ponto, o novo caça terá uma variante capaz de operar em navios —que precisa de alterações estruturais importantes, como trens de pouso mais resistentes.
A chamada sexta geração é uma evolução do nicho hoje ocupado nos EUA pelos F-22 e F-35, esse um avião com versões da Força Aérea, dos Fuzileiros Navais e da Marinha. Ela aperfeiçoa as capacidades atuais furtivas ao radar e de desempenho, mas amplia a fusão de dados que permitirá aos caças serem “naves-mãe” de drones inteligentes.
Enquanto esse futuro não vem, Trump propôs mudanças importantes nas suas defesas atuais. Cortou a compra de F-35 de 74 para 47 aviões, algo que pode ser compensado pela carteira externa do caça da Lockheed Martin. O dinheiro será aplicado na modernização da frota existente do aparelho de quinta geração.
Já a Boeing, ainda lutando para sair de uma grave crise, é favorecida duplamente, com o F-47 e com o aumento da carteira de encomendas do F-15EX, versão modernizada de seu clássico e poderoso caça. Ela foi de 98 para 129 aviões, ao custo de US$ 3 bilhões (R$ 16,5 bilhões).
O avião irá substituir, em alguma medida, outra peça notória do arsenal americano, o avião de ataque a solo e suporte de tropas A-10, que tem 162 unidades em operação. Chamado de tanque voador, dada sua blindagem e poder de fogo, o modelo é visto como muito caro de ser mantido.
Haverá foco específico em drones que operam em conjunto com caças, baseados em inteligência artificial, os chamados parceiros leais, e continuidade do projeto do bombardeiro de nova geração B-21. Mísseis produzidos pela Lockheed, também receberão verbas a mais, assim como há a previsão de um aumento de 3,8% no salário das tropas.
Já os US$ 25 bilhões (R$ 137 bilhões) iniciais previstos para o polêmico sistema antimísseis Domo Dourado não estão na requisição: eles foram incluídos nos US$ 150 bilhões (R$ 822 bilhões) destinados a defesa no chamado BBB (grande e lindo projeto de lei, nas iniciais em inglês), que já está em tramitação.
O mesmo deve ocorrer com encomendas navais. Apenas três navios estão previstos no orçamento, mas a Marinha diz que mais 15 serão incluídos em projetos separados. Não deve haver grandes óbices congressuais.