A derrota de Javier Milei na eleição legislativa da província de Buenos Aires no último domingo jogou no colo de Axel Kicillof, seu governador, um presente. O ex-ministro de Cristina Kirchner, popular na região e já no segundo mandato, celebrou como se as urnas o tivessem catapultado para uma possível candidatura presidencial em 2027.
Kicillof deu entrevistas eufórico, disse ter recebido telefonemas de líderes de esquerda da região e já agita nas redes o próprio perfil como antídoto aos ajustes de Milei. O peronismo, desorganizado, parece inclinado a tratá-lo como solução automática. Mas a pergunta é outra: essa opção tem de fato chance em 2027?
Não seria melhor para essa força política pensar numa renovação —ou apostar numa segunda via peronista encarnada por governadores que entregaram gestão e previsibilidade, como Juan Schiaretti, que governou Córdoba em quatro mandatos e construiu fama de moderado?
Por que Kicillof seria uma má aposta? Como ministro da Economia (2013 – 2015), ele foi a face do confronto com os holdouts, que culminou no episódio batizado pela praça financeira de “default técnico” em julho de 2014, depois do fracasso das tratativas em Nova York sob decisão do juiz Thomas Griesa. Kicillof recusou o acordo, discursou contra “extorsões” e garantiu que “havia dinheiro e vontade de pagar”, mas o resultado foi o carimbo de default e um dano reputacional que volta a cada conversa sobre previsibilidade e crédito.
Segundo, a YPF. Kicillof foi o rosto político mais visível da nacionalização de 51% da petrolífera YPF. O gesto soberanista terminou em derrota bilionária nos tribunais de Nova York: em 2023, a juíza Loretta Preska fixou multa de US$ 16,1 bilhões por violação de direitos de acionistas minoritários. A conta não desapareceu e seguirá no horizonte de quem governe depois de Milei.
Terceiro, as amarras ao comércio. No período kirchnerista, com Kicillof já como figura-chave econômica, a Argentina impôs exigências de importação que foram condenadas pela OMC em 2015.
Para 2027, isso reabre a pergunta: qual segurança jurídica e previsibilidade regulatória um eventual governo Kicillof ofereceria a exportadores, montadoras e cadeias globais instaladas no país?
Há, claro, o ativo provincial. Como governador de Buenos Aires, Kicillof renegociou dívida externa em 2021 (aceitação superior a 90% dos títulos), acelerou obras e sustentou programas sociais; foi reconduzido em 2023 com 44,9%. Nada disso é trivial. Mas a província segue como epicentro de problemas de segurança, serviços colapsados e desigualdade.
O salto de Buenos Aires para a Presidência exigiria que Kicillof se mostrasse hábil para lidar com o país que começa onde termina a Grande Buenos Aires: noroeste, Patagônia, agronegócio do interior (liderado por Córdoba) e cidades médias industriais.
Também pesa o código genético. Kicillof é filho do kirchnerismo, o que limita pontes com moderados e com parte dos governadores que associam seu nome à tentativa de restauração de um ciclo que terminou em litígios caros e desconfiança externa.
Pode ser que as fórmulas mileístas não se sustentem até o fim de seu mandato, mas, se a alternativa colocada pelo peronismo for a memória daqueles anos, o centro do tabuleiro continuará com quem prometer âncora e regra estável, ainda que com elevado custo social.