O governo da Venezuela revogou nesta quinta-feira (27) o direito de operação no país de seis empresas aéreas, inclusive a brasileira Gol, que havia retomado a rota entre São Paulo e Caracas após quase dez anos em agosto.
A medida do ditador Nicolás Maduro é uma punição pelo fato de que as empresas haviam suspendido os voos para o país caribenho após um alerta da FAA, o órgão regulador aeronáutico dos Estados Unidos.
Na semana passada, a FAA havia dito que sobrevoar a Venezuela consistia numa “situação potencialmente perigosa” devido “à piora da situação de segurança e a aumentada atividade no país e em torno dele”.
Tal atividade é patrocinada pelo governo de Donald Trump, que desde setembro vem escalando uma mobilização militar em nome do combate ao narcotráfico na região, mas mira especificamente a derrubada de Maduro —”da maneira fácil ou difícil”, como o presidente disse na quarta (26).
Diversas empresas cancelaram voos. Na segunda (24), a IATA (Associação Internacional de Transporte Aéreo, na sigla inglesa) informou o mercado que Caracas havia dado um prazo de 48 horas para que os voos fossem retomados, já que a FAA não tem jurisdição sobre o espaço aéreo venezuelano.
A punição começou agora, com a Gol, a espanhola Iberia, a portuguesa TAP, a turca Turkish Airlines e as colombianas Avianca e Latam Colombia, essa de controle chileno.
A Folha questionou a Gol acerca da medida e o impacto para os passageiros, mas ainda não houve resposta. No caso dos voos cancelados até aqui, havia a possibilidade de remarcação, solicitação de reembolso ou crédito, a depender da tarifa aplicada.
A empresa voltou a voar para o país de Maduro no começo de agosto, e operava quatro voos semanais, às terças, quintas, sábados e domingos, partindo do aeroporto de Guarulhos.
Outras empresas também seguiram a recomendação da FAA e podem ser punidas, como as espanholas Air Europa e Plus Ultra. Seguem voando para o país, além de empresas locais, a panamenha Copa e a “low-cost” colombiana Wingo.
Nas últimas semanas, a pressão de Trump sobre Maduro cresceu com a chegada de um grupo de ataque liderado pelo maior porta-aviões do mundo, o USS Gerald Ford. Seus caças F/A-18 têm feito voos quase diários de treinamento no Caribe, agora escoltando bombardeiros vindos dos EUA, como os B-52 e os B-1B.
São demonstrações de força, dado que em parte dos trajetos os aviões mantém seus aparelhos de rastreamento ligado. Com isso, sites de monitoramento público conseguem mostrar suas rotas, explicitando que estão circulando as redondezas da Venezuela.
Se quiserem atacar, não farão isso. No caso de aviões maiores e mais lentos e antigos, como o B-52, ainda há o risco de defesas aéreas da Venezuela o atingirem —o principal sistema do país, uma versão customizada do S-300 russo, tem alcance de 200 km.
O USS Gerald Ford e sua escolta se uniram a uma força expedicionária de fuzileiros navais e diversos outros recursos, como destróieres, caças F-35 baseados em Porto Rico e até um “tanque voador” AC-130J Ghostrider, usado para supressão de alvos em solo. Mais de 80 pessoas acusadas de tráfico já foram mortas em ataques a pequenos barcos na região.
Um passo importante para ir às vias de fato ocorreu na segunda, quando os EUA determinaram que o chamado Cartel de los Soles é uma organização terrorista. Segundo Washington, o grupo é liderado diretamente por Maduro e coordena atividades de narcotráfico, pelo que o ditador é procurado pela Justiça americana desde 2020.
Caracas considera a acusação ridícula, e especialistas são reticentes a qualificar o cartel como tal. Ele está, dizem analistas, mais para um guarda-chuva de operações criminosas e corrupção estatal, ligado a figuras do governo venezuelano.
A natureza da ação americana é debatida no Congresso dos EUA, que não a autorizou. Trump se baseia na mudança por decreto que fez ao voltar ao poder, autorizando a classificação de narcotraficantes como terroristas, abrindo o leque de opções militares.
Ninguém espera uma invasão, que seria custosa e impopular, mas pode haver ataques a alvos militares e estruturas do narcotráfico no país, dado o volume de recursos mobilizados até aqui. Ou então Trump apenas espera que ou Maduro saia, ou seja saído pelo estamento militar, comandado pelo ministro Vladimiro Padrino López (Defesa).
“Está claro que os dias de Maduro estão contados. Os EUA se colocaram numa sinuca, e seria constrangedor serem visto como fracassados agora. A questão é quando e como a mudança de regime ocorrerá”, escreveu na quarta a analista americana Allison Fedirka, da consultoria Geopolitical Futures.




