O tour do chamado Sul Global do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) faz parte da estratégia dos países do Brics e da América Latina de costurarem uma aliança informal em contraponto à diplomacia do bullying de Donald Trump.
Os países vítimas de achaques de Trump —via tarifas de importação, deportações em massa ou cancelamento de vistos de autoridades— tentam ganhar cacife para influenciar negociações. Em vez de simplesmente se submeter às intimidações bilaterais do governo americano, buscam algum tipo de concertação entre eles e apostam em uma resistência multilateral.
A estratégia faz todo o sentido, mas suas limitações, pelo menos do ponto de vista do Brasil, ficaram claras na viagem de Lula para China e Rússia.
Lula emprestou à Rússia o prestígio democrático do Brasil ao comparecer à comemoração da vitória soviética na Segunda Guerra Mundial em Moscou. Muitos líderes foram convidados e mandaram representantes —foi o caso do premiê indiano, Narendra Modi.
Uma coisa é não criticar de forma veemente Vladimir Putin e a invasão russa na Ucrânia para manter um canal de interlocução, como reforça o Itamaraty. Outra é ser o único democrata a posar ao lado de ditadores —incluindo Aleksandr Lukachenko, no poder na Belarus desde 1994— enquanto Putin equipara a vitória na Segunda Guerra à “operação militar especial”, o eufemismo oficial do Kremlin, na Ucrânia.
Será que valeu a pena? O Planalto divulgou nota sobre conversa telefônica entre Lula e Putin nesta quarta-feira (14). “O presidente brasileiro estimulou o presidente russo a comparecer à reunião de negociação entre Rússia e Ucrânia marcada para ocorrer em Istambul, nesta quinta-feira, 15 de maio”. A gestão brasileira veio a partir de um pedido do chanceler ucraniano Andrii Sibiha a sua contraparte, o ministro Mauro Vieira, de apoio a um cessar-fogo.
O Kremlin vem mantendo mistério a respeito da presença de Putin em Istambul, mas divulgou também nesta quarta uma lista da delegação que vai à Turquia —o nome do presidente não está lá.
Caso o russo vá se encontrar com o líder ucraniano, Volodimir Zelenski, seria uma vitória diplomática — seja, ou não, resultado das gestões brasileiras. Ajudaria a envernizar as credenciais do Brasil como mediador internacional.
A cúpula da Celac e China foi encerrada com vistosos anúncios de investimentos chineses no Brasil e na região. Mas as pressões americanas sobre os países da região para não se aproximarem da China restringem uma maior integração.
O Panamá, diante de ameaças de Trump por causa da presença de empresas de Hong Kong no Canal do Panamá, não renovou com a Iniciativa Cinturão e Rota. Segundo relatou o jornal O Globo, Xiomara Castro, presidente de Honduras, deveria ter participado da reunião da Celac, mas desistiu por medo de retaliações dos EUA.
O presidente colombiano, Gustavo Petro, anunciou adesão da Colômbia à Iniciativa Cinturão e Rota, mas pode sofrer sanções. Da última vez em que Petro resolveu se insurgir contra ditames de Trump, ao se recusar a receber avião com deportados colombianos vítimas de maus-tratos, ele foi ameaçado de sanções e de cancelamento de seu visto para os EUA. O Brasil, que vem adotando linha mais discreta na relação com os EUA, não pretende entrar no megaplano chinês de infraestrutura tão cedo.
Por fim, a presença da primeira-dama, Janja, voltou a desviar o foco. Já em sua participação na reunião do G20 na Índia, em 2023, houve questionamentos. Foi a única primeira-dama a acompanhar as sessões de negociações do G20, fechadas ao público e à imprensa. Cônjuges dos líderes dos outros 18 países e da União Europeia não estiveram presentes. Durante a cúpula do G20 no Rio, em novembro do ano passado, Janja quase ofuscou a agenda positiva do governo ao xingar o bilionário Elon Musk.
Agora, ao se dirigir ao líder chinês, Xi Jinping, para criticar o TikTok no Brasil, a primeira-dama volta a causar. Autoridades chinesas são muito ciosas da liturgia da diplomacia presidencial. Mas é pouco provável que isso gere alguma reação concreta da China, país pragmático com corrente de comércio de US$ 158 bilhões com o Brasil em 2024.
Mesmo assim, em meio à tentativa de formar uma frente coesa contra o valentão que está implodindo o sistema multilateral, Janja causa um ruído desnecessário.