Tyler Robinson, suspeito de assassinar Charlie Kirk, foi perdoado por Erika Kirk diante da multidão reunida no funeral, realizado no dia 21, no State Farm Stadium, em Glendale, no Arizona.
Erika citou as palavras de Jesus na cruz: “Pai, perdoa-os, pois não sabem o que fazem” (Lucas 23:24). Secou delicadamente as lágrimas e disse: “Aquele jovem. Eu o perdoo”. Qual o significado político do perdão oferecido por Erika ao homem que matou seu marido?
O perdão de Erika a Tyler Robinson é uma decisão estritamente pessoal e religiosa, que cabe unicamente a ela como vítima. Discutir como isso pode auxiliar Erika a processar a perda, a dor e o luto seria apropriado em um contexto de terapia ou aconselhamento religioso.
Entretanto, o anúncio do perdão durante o funeral insere a decisão na esfera pública e possibilita a discussão de seu significado político. De acordo com Miroslav Volf, teólogo croata, somente o perdão pode libertar a vítima e o agressor da “perversa comunhão da inimizade mútua” e dos “infinitos giros da espiral da vingança”.
O perdão que Erika ofereceu a Tyler Robinson é, obviamente, um ato pessoal. A questão é: o perdão oferecido pela viúva de Kirk pode desencorajar o uso da violência contra os adversários políticos?
A mensagem geral de poder e força do funeral enfraquece e eclipsa o potencial de reconciliação inerente ao perdão oferecido por Erika. O contexto do anúncio do perdão ao suposto assassino assinala que o outro lado, não importa qual seja sua identidade política, está errado.
Erika, ainda no começo de sua fala, mencionou que havia milhares de pessoas reunidas para homenagear seu marido, mas a reação ao assassinato de Charlie não provocou tumultos e violência pelo país. Era uma referência aos protestos desencadeados pela morte de George Floyd, em 2020. Trata-se do sentimento de superioridade religiosa e civilizacional esfregado na cara dos adversários políticos.
Nas falas de J.D. Vance, vice-presidente dos Estados Unidos, Marco Rubio e Pete Hegseth, figuras do primeiro escalão do governo, assim como de Donald Trump Júnior, o assassinato foi utilizado para condenar o pluralismo cultural, religioso e político nos Estados Unidos. A única opção, segundo eles, de uma vida moralmente decente é a adesão aos valores do cristianismo fundamentalista como abraçado por Charlie Kirk.
No funeral, a dimensão política do perdão, em vez de promover a reconciliação com os adversários, serviu para reafirmar um sentimento de superioridade civilizacional e reavivar a guerra cultural, agora com apoio estatal. Conforme lhe convém, a direita americana utiliza a separação entre igreja e Estado. Benny Johnson, podcaster do Maga, acrônimo para “Make America Great Again” (Faça a América Grande Novamente), declarou no funeral: “Oremos para que nossos governantes, legitimamente instituídos com o poder dado por Deus, empunhem a espada para o terror dos homens maus em nossa nação, em memória de Charlie”.
O assassinato de Kirk é lamentável e injustificável. O gesto de perdão de sua mulher é louvável. Todavia, isso não deve nos cegar para o autoritarismo embutido no método dos debates universitários promovidos por Charlie. Ele se assentava no campus de alguma universidade e colocava uma placa: “Prove-me que eu estou errado. Debata comigo”.
A proposta de debates nasceu envenenada pela lógica dualista do fundamentalismo religioso: “se eu estiver certo, logo, você estará errado. Se eu for para o céu, você irá para o inferno”. Charlie não estava errado quanto ao modo que escolheu viver sua vida. Ele estava errado em acreditar que o “american way of life” (estilo de vida americano) é o único jeito certo de viver e o único jeito possível de ser cristão.