A recente interferência do presidente Donald Trump na segurança da capital dos Estados Unidos ampliou entre os moradores de Washington o receio de que o republicano tente avançar ainda mais contra o que há da autonomia adquirida pela cidade há 52 anos.
Sede do governo americano desde 1800, quando Filadélfia deixou de ser a capital do país, Washington D. C. (Distrito de Columbia) não é formalmente nem um estado, nem uma cidade, mas um distrito, como seu nome diz. Essa característica torna a sua gestão peculiar.
A população de Washington só ganhou o direito de eleger a sua própria prefeitura em 24 de dezembro de 1973, com a aprovação do Home Rule Act (Lei de Autonomia).
Nesta segunda (11), Trump anunciou o envio de tropas da Guarda Nacional para Washington, além da tomada do controle da polícia metropolitana local por 30 dias. Ele afirmou que a criminalidade na capital está “fora de controle” e tomou a decisão após ter ameaçado, mais de uma vez, tomar o controle da cidade.
Uma ala de aliados do presidente defende no Congresso revisar a Lei de Autonomia de Washington, para devolver o controle da cidade ao governo federal. Já democratas e a maioria da cidade defendem aprovar uma lei para transformá-la em estado.
Em um referendo de 2016, 85% da população da cidade votou a favor de tornar Washington um estado, mas a medida não foi aprovada no Congresso. Diversos protestos têm sido organizados na cidade contra a decisão de Trump.
A prefeita de Washington, Muriel Bowser, chamou a ação de Trump de “sem precedentes”. É a primeira vez que um presidente interfere na cidade desde 1973.
Até aquele ano, a capital dos EUA foi gerida de algumas maneiras diferentes. Pouco após a criação de Washington, o Congresso autorizou que um prefeito fosse eleito por voto popular a partir de 1820, enquanto o Congresso criava comissões dedicadas só a assuntos da capital.
Esse modelo, porém, só durou até 1871. Naquele ano, os parlamentares criaram uma espécie de governo para Washington, sendo que o governador era indicado pelo presidente da República.
Três anos depois, em 1874, no entanto, o Congresso reformou a própria decisão, criando a forma de governança que foi o mais duradoura até então: a criação de uma comissão formada por três membros, escolhidos pelo presidente da República, para gerir a cidade.
Segundo Sarah Jane Shoenfeld, uma historiadora de Washington, disse a jornais americanos, a decisão na época era para evitar que a população negra, que já crescia na capital, tivesse mais influência sobre o governo local —até hoje, a cidade é uma das mais negras do país.
Por quase 100 anos Washington foi gerida dessa maneira. No período, cabia exclusivamente ao Congresso aprovar leis locais, incluindo o orçamento da cidade, o que fazia com que a gestão fosse compartilhada pelos parlamentares, apesar de a população de Washington não poder elegê-los.
O movimento por autonomia local começou a ganhar força no século 20, principalmente durante a luta pelos direitos civis.
À emissora NPR, George Derek Musgrove, professor associado de história na Universidade de Maryland, Baltimore County e coautor de Chocolate City: A History of Race and Democracy in the Nation’s Capital (Cidade de Chocolate: uma História de Raça e Democracia na Capital da Nação), afirmou que os moradores queriam ser governados por pessoas que conhecessem a situação local.
O movimento pressionou o Congresso, que aprovou, com o apoio do então presidente Richard Nixon, a Lei da Autonomia em 1973. Desde então, os moradores elegem um prefeito a cada quatro anos em pleito que ocorre nas eleições de meio de mandato (dois anos após as presidenciais), mas seguem sem poder eleger parlamentares com direito a voto no Senado e na Câmara dos Representantes.
Desde a aprovação dessa lei, Washington nunca elegeu um prefeito do Partido Republicano. Os democratas governam a cidade de maneira ininterrupta há mais de 50 anos. As leis locais são aprovadas inicialmente pelo Conselho do Distrito, criado em 1974. O colegiado tem 13 membros, escolhidos em eleições partidárias.
O Conselho aprova leis e tem o poder de criar, abolir ou reorganizar qualquer agência do Distrito. Todas as leis aprovadas, assim como o Orçamento da cidade, precisam passar por revisão do Congresso Nacional.
Washington também tem dois tribunais: o Tribunal de Apelações de D. C. (equivalente a uma Suprema Corte estadual) e Tribunal Superior de D. C. (instância de julgamento).
Diferentemente dos estados, que escolhem seus magistrados em processos estaduais, os juízes dessas cortes são nomeados pelo presidente dos EUA. O procurador-geral da cidade, por sua vez, é eleito por meio de voto popular de eleitores registrados desde 2015.
A prefeitura também não tem ingerência sobre a Guarda Nacional de D. C., que pode ser acionada pelo governo federal, como fez Trump. A Lei da Autonomia também prevê que a Presidência possa tomar o controle da polícia metropolitana local em certos casos de emergência. Essa federalização só é válida por 30 dias e, para durar mais, precisa ser aprovada pelo Congresso.