A entrada do Vietnã como país parceiro do Brics nesta sexta-feira (13) não muda apenas a paisagem do bloco, mas altera o próprio relevo geopolítico do Sudeste Asiático. Anunciada discretamente pelo governo brasileiro, a decisão pode parecer tecnocrática à primeira vista, mas é, na verdade, o mais recente capítulo de uma diplomacia que se move com precisão milimétrica: o bambu vietnamita, flexível aos ventos, mas inquebrantável em sua raiz.
Ao aceitar o convite como parceiro (não como membro pleno), o Vietnã manteve sua tradição de não alinhamento formal. O país busca acesso ao Novo Banco de Desenvolvimento, oportunidades comerciais no Sul Global (o grupo de países emergentes ou em desenvolvimento) e uma posição mais proeminente na governança internacional, mas sem disparar alarmes no seu maior mercado exportador, os Estados Unidos, nem acentuar a já delicada dependência da China, seu maior fornecedor.
A imagem do bambu, tantas vezes repetida pela diplomacia vietnamita, não é apenas poética, é estratégica. Hanói sabe que sua sobrevivência depende de sua capacidade de se inclinar sem se submeter, e o Brics oferece justamente isso: um palco onde se pode aparecer sem necessariamente tomar partido, uma vitrine sem contrato.
Essa movimentação, no entanto, revela mais sobre o Brics do que sobre o Vietnã. O bloco se vê às voltas com uma encruzilhada: expandir para se tornar mais representativo ou manter coesão ideológica como eixo antiocidental? A adesão de países como Irã e Rússia sugere a segunda via. Mas a entrada calculada de países como Vietnã e Indonésia —e a hesitação de outros asiáticos— aponta para o bloco aos poucos se tornando um mercado de apostas, não um clube fechado.
É nesse contexto que se deve entender a relação de Hanói com Pequim. Há ali laços ideológicos, vínculos históricos e uma interdependência econômica profunda. A China fornece metade das matérias-primas industriais do Vietnã e investe bilhões no país. Mas também há desconfiança, com disputas territoriais inflamadas no mar do Sul da China, exercícios militares, protestos diplomáticos que, no fundo, dão a entender que a alardeada amizade entre as duas nações é uma relação de contenção mútua.
O ingresso do Vietnã no Brics não aponta para nenhuma reconfiguração entre polos geopolíticos. Hanói não busca mediar disputas alheias, mas sim protegendo a si mesma da dependência chinesa, das pressões americanas, da instabilidade sistêmica. E não está só.
A nova onda de expansão do Brics carrega esse mesmo paradoxo, crescendo em número, mas se diluindo em propósito. A heterogeneidade do grupo, com potências revisionistas, economias pragmáticas e democracias em diferentes estágios, torna qualquer narrativa comum improvável. É cada vez mais difícil conseguir consenso e, algo incomum entre os membros originais, tem sido cada vez mais frequente terminar reuniões sem um comunicado conjunto.
É nesse vácuo que os vietnamitas entram com habilidade, para extrair o máximo, comprometendo-se com o mínimo. Se há uma lição aqui é que a nova ordem global não será apenas moldada por grandes potências, mas também pelas escolhas sutis das potências médias. Não pelas cúpulas, mas pelos bastidores.
O Vietnã mostra como se joga esse jogo, com raízes firmes, tronco resiliente e galhos que se inclinam, mas não se quebram.