A advogada e ativista Martha Lía Grajales, que ficou presa durante quatro dias na Venezuela e está sendo processada por “incitação ao ódio”, está proibida de conceder entrevistas, participar de eventos em espaços públicos e sair do país.
Fundadora da organização de direitos humanos SurGentes, ela foi detida em 8 de agosto logo após participar de uma manifestação em frente ao prédio das Nações Unidas em Chacao, no norte do país, pela libertação de presos políticos. Após a ampla repercussão de sua captura, Martha foi libertada na última terça-feira (12) e agora vai precisar se apresentar aos tribunais a cada 30 dias.
A pressão pela sua soltura envolveu o Alto Comissário de Direitos Humanos da ONU, Volker Türk, a repercussão na imprensa internacional e até mesmo grupos de esquerda que compõem a base do chavismo e dos quais ela e seu marido, Antonio González, são próximos.
Como Martha está impedida de dar entrevistas, González, que também atua na ONG SurGentes, descreve como foram os dias da mulher na prisão.
O ativista diz que, ao fim do protesto de sexta, foi de moto a um ponto de encontro combinado com sua esposa enquanto ela se dirigia a pé para o mesmo local, acompanhada de outras duas pessoas. Antes de chegar, porém, foi parada por policiais e colocada à força em uma caminhonete sem placa, segundo González.
Martha foi levada pela Direção de Investigação Penal de Maripérez, na capital, mas não pode fazer qualquer ligação. Ninguém sabia para onde a ativista tinha sido levada. “Ela foi impedida de se comunicar com seus familiares ou com um advogado de confiança. Isso implica que ela esteve, por esse breve período de quatro dias, em uma situação de desaparecimento forçado”, conta seu marido.
“Nem na sexta, nem no sábado e nem no domingo ela foi informada dos crimes pelos quais estava sendo acusada. Apenas na segunda-feira, quando foi levada ao tribunal”, conta Antonio. Foi só nesse dia que a família soube onde ela estava e foi informada de que Martha tinha uma ordem de captura desde quarta passada (6).
A ativista tampouco pôde escolher um advogado para representá-la, segundo González. “Ela solicitou expressamente no tribunal [que queria um profissional de sua confiança], mas como estava incomunicável, era impossível que esse advogado comparecesse à audiência. Então indicaram um defensor público”, diz.
A ordem de captura provavelmente foi emitida devido à sua participação em um protesto, na véspera, das Mães em Defesa da Verdade, um grupo de mulheres que luta pela liberdade de seus filhos presos após as eleições de julho do ano passado, que reconduziram Nicolás Maduro a um terceiro mandato. Durante o ato, seu documento foi roubado por um grupo armado, segundo González.
O marido afirma que a família “está em situação de alerta”. Questionado se acredita que sua mulher poderá ser inocentada, ele diz que dependerá da “capacidade de pressão nacional e internacional, e não porque existam garantias judiciais”.
“O processo judicial está repleto de vícios. Desde o início, o Poder Judiciário me impediu de apresentar um habeas corpus no dia seguinte à sua detenção. A investigação contra ela começa a partir de uma revisão do site de SurGentes, no qual há notícias de protestos, de lutas por direitos humanos que a organização acompanha, e que um funcionário policial interpreta como atos que desestabilizam a República”, continua.
“É evidente que se trata de um julgamento político em que o procedimento judicial é simplesmente acessório.”
O relato da detenção segue o padrão de muitas das capturas pós-eleições. De acordo com a ONG Provea (Programa de Educação em Direitos Humanos Ação), que acompanhou o caso de Martha, os detidos são vítimas do mesmo padrão de abusos sofridos pela ativista: “detenção arbitrária, desaparecimento forçado, violações do devido processo legal e isolamento prolongado e/ou detenção incomunicável”.
De acordo com a ONG Foro Penal, há 808 presos políticos na Venezuela —muitos detidos na onda de manifestações que tomou o país após as eleições do ano passado, nas quais foram documentadas diversas evidências de fraude. Na ocasião, os confrontos deixaram 28 mortos, cerca de 200 feridos e mais de 2.400 presos.
O caso de Martha chama a atenção por ela ser uma destacada ativista de esquerda que atuou até mesmo em iniciativas do ex-líder Hugo Chávez, como a Comissão Presidencial para o Desarmamento e a Universidade Nacional Experimental de Segurança, responsável pela formação das forças de segurança do país.
Nascida na Colômbia, Martha mora na Venezuela há mais de dez anos, quando decidiu se mudar para o país de seu marido, com quem tem um filho de 13 anos, após conhecê-lo durante um mestrado em direitos humanos no Equador. Nos últimos anos, porém, eles se afastaram do regime.
“A partir de 2016, 2017, começamos a identificar padrões de repressão contra lutas populares do campo e de trabalhadores, e começamos a denunciá-los publicamente”, diz González. “Na deriva autoritária do governo de Maduro, primeiro começou a repressão por setores de direita, depois pelos mais liberais. Em seguida foram os sociais-democratas e nos últimos quatro, cinco anos, a repressão chegou aos setores de esquerda”, disse ele em entrevista à Folha na terça, quando sua esposa estava em vias de ser libertada.