Em uma porta enferrujada no topo de um edifício de apartamentos de nove andares que nenhum arquiteto admiraria, alguém havia riscado uma declaração: “queda de Saigon”.
Em 29 de abril de 1975, quando o governo do Vietnã do Sul entrou em colapso nas horas finais da guerra, Nguyen Van Hiep observou do prédio ao lado como um helicóptero americano pousou no teto da caixa do elevador, num espaço que mal dava para acomodar seus patins.
Uma multidão de civis vietnamitas se espremeu por uma escada estreita até o helicóptero militar, gritando e disputando posição. Um americano com camisa branca conduziu alguns poucos sortudos a bordo.
“Todos estavam lutando para subir lá”, disse Hiep, cujo pai ajudava a manter o edifício conhecido como Pittman, onde o vice-diretor da CIA morava e trabalhava. “Era muito caótico, apenas pessoas do prédio podiam ir.”
O acontecimento que ele testemunhou se tornou icônico —e mal compreendido. Uma foto da cena tirada por Hubert Van Es chegou às agências de notícias com uma legenda incorreta do editor, dizendo que se tratava de uma evacuação na embaixada dos Estados Unidos.
Meio século depois, o que aconteceu após a partida dos americanos?
Milhares de burocratas americanos haviam ocupado Saigon (hoje Ho Chi Minh), realizando o trabalho invisível de um conflito cataclísmico no conforto de edifícios comuns. Entre almoços à mesa, eles espalhavam mensagens anticomunistas, calculavam custos e organizavam a logística para alimentos e munições.
Quando os americanos saíram às pressas, os vitoriosos revolucionários vietnamitas assumiram os locais do trabalho burocrático dos EUA e inseriram leais ao regime e necessitados —novos inquilinos com novos papéis, visando construir um Estado socialista.
Enquanto uma cidade moderna de 9 milhões de habitantes crescia ao redor deles —renomeada para Ho Chi Minh, o líder revolucionário do Vietnã—, as antigas estruturas tornaram-se experimentos na evolução nacional.
Dentro das paredes do edifício, a vida familiar conectou duas eras. No pós-guerra, o pragmatismo então substituiu o desespero —mas sem apagar completamente a desconfiança nascida de profundas divisões regionais e uma longa guerra entre Norte e Sul, na qual os Estados Unidos desempenharam um papel prolongado.
Espólios comunistas
O Pittman é sinônimo de americano. A origem do nome permanece um mistério.
Localizado no centro da cidade, era um dos muitos edifícios que os americanos alugavam em Saigon, neste caso para a CIA e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid, na sigla em inglês), e seu elevador costumava fazê-lo parecer moderno.
Agora, de suas amplas janelas voltadas para o outro lado da rua, observam-se torres três vezes maiores em cima de um shopping construído por uma das maiores incorporadoras do Vietnã.
Dentro do Pittman, as mudanças são menores. Duas famílias que o governo instalou no segundo andar na década de 1970 ainda estão lá, em estúdios lado a lado próximos a uma cafeteria onde os trabalhadores do prédio agora ocupam o mesmo refeitório antes usado pela CIA e Usaid.
Trinh Thanh Phong disse que tinha orgulho de ter crescido em um espólio de guerra. Seu pai era do extremo sul do Vietnã, mas lutou pelo norte, depois trabalhou para uma empresa química estatal com escritórios no andar de cima.
“Ele fez muito pela revolução”, disse Phong. “Foi assim que conseguimos isso.”
Sua mãe, Truong Thi Net, disse que nunca havia visto a foto de Van Es, mas reconheceu o andar superior.
No quinto andar, a contadora Nguyen Chan Thy e a gerente de alfândega Tran My Lien trabalhavam em um escritório silencioso em um sábado.
Se as famílias do andar de baixo representavam os anos magros logo após a guerra, quando o planejamento ao estilo soviético paralisou a economia, o negócio acima delas falava dos anos 1990 e além, quando o Vietnã abraçou o livre comércio. A empresa delas lida com logística para fabricantes de couro.
“Carregamos seu sonho”, diz um letreiro na entrada do escritório.
As tarifas do presidente Donald Trump, pausadas por enquanto, mas fixadas em 46% para o Vietnã, ameaçam esse otimismo. Examinando a foto de Van Es, ambas as mulheres ficaram surpresas. Tantas pessoas. Tão poucos assentos no helicóptero. Era difícil para elas não ver a política comercial de Trump como outro exemplo de abandono dos EUA.
Toda a região estava em risco, disseram, mas o Vietnã esperava mais respeito, dado o legado da guerra em um país onde bombas americanas abandonadas ainda ameaçam vidas.
“Não estou dizendo que é uma traição, mas não é decente”, disse Lien, referindo-se às tarifas. “Não é uma maneira decente de tratar um lugar onde você causou tantos problemas.”
Estabilidade ou angústia?
Alguns dos antigos edifícios americanos pareciam abrigar suspeitas menos comuns em outros lugares.
Seguranças de uma agência de turismo impediram a entrada da reportagem em uma vila onde o comandante americano de guerra, general William Westmoreland, morou na década de 1960.
Virando a esquina, em um dos maiores edifícios de apartamentos onde funcionários americanos foram substituídos por vietnamitas, um morador se recusou a fornecer um nome, temendo problemas com a polícia. Outro, examinou intensamente minhas credenciais.
O edifício número 218 da Nguyen Dinh Chieu funcionou brevemente como sede da Atividade de Apoio Naval (NSAS, em inglês) dos EUA em Saigon, que se concentrava em logística. Após a guerra, oficialmente encerrada em 30 de abril de 1975, a agência de notícias estatal do Vietnã instalou dezenas de famílias, concentrando pessoas com ideias semelhantes em uma comunidade próxima.
As portas permaneciam destrancadas. Os amplos corredores eram campos de futebol, as varandas eram jardins, enquanto a próxima geração aprendia a se globalizar e competir.
Huynh Kim Anh, 76, ex-chefe de recursos humanos do Instituto de Estudos de Desenvolvimento do governo da cidade, apontou para um certificado em sua parede mostrando uma bolsa de estudos para sua filha na Universidade Western Sydney, na Austrália.
“Tivemos uma vida muito estável aqui”, disse ele.
A proximidade da comunidade, no entanto, transformou o edifício em um labirinto de sussurros. Nos primeiros anos, refeições com carne de melhor qualidade eram escondidas, para evitar fofocas, disseram os moradores. Depois, críticas a qualquer coisa oficial causavam discussões entre gerações que começavam altas e depois se silenciavam.
Hoje, o edifício onde funcionou a NSAS, o Pittman e outros estão novamente em transição, envelhecendo em deterioração e reinvenção.
Saigon, como muitos ainda a chamam, parece inquieta. O intervalo entre os trens de uma nova linha de metrô é longo. Uma campanha nacional contra a corrupção paralisou construções. No antigo edifício da NSAS, camaradas grisalhos estão morrendo e novos inquilinos estão transformando salas em estúdios de ioga e buscando bem-estar, não Vladimir Lenin.